O regresso à 25E começou com uma piada que não teve piada nenhuma. Na primeira deslocação para a Rua de Alfândega, cruzo-me com um eléctrico articulado na paragem da Praça do Comércio, a 25 metros da passagem de peões, mas como é hábito, as pessoas saem do transporte e atravessam em direcção ao centro da praça sem olhar a meios. Cauteloso, abrando a marcha, adivinhando que algo iria surgir daquela traseira do eléctrico 501 e bem dito, bem certo, como diz o outro.
Da parte de trás surge um senhor completamente distraído. Toco a campainha para o alertar da minha presença e o mesmo, da um passo atrás e desata-se a rir para mim. Incrédula, tal como eu, a passageira que viajava sentada no primeiro banco do lado direito repudia o comportamento do senhor dizendo que «ainda tem coragem para se rir! Há com cada um...», parecendo estar a ler o meu pensamento naquele instante.
Prossigo viagem e segundos depois um outro passageiro dos que prosseguiam para o terminal fez questão de esclarecer de forma irónica que «ele ainda se riu, porque assim ainda vai passar este Natal a casa e não no hospital...»
E se o leitor pensava até então que a maioria das vezes que aqui referi a carreira 25E, se deveu a interrupções, devo desde já adiantar que hoje, nem uma interrupção tive devido aos artistas do mau estacionamento em Lisboa. Ou estão mais atentos, ou temem ver a foto dos seus carros aqui publicada.
Mas como num conjunto de viagens muita coisa acontece, lá tinha de aparecer alguém a "marcar" este dia de trabalho. Por vezes a forma como as pessoas nos dirigem a palavra, a forma como se vestem ou as expressões que utilizam, fazem-nos criar - sobretudo em pessoas observadoras como eu - imagens. Imagens essas que podem ser personagens, situações, ou o quer que seja.
E foi na minha última viagem dos Prazeres para a Rua de Alfândega, que na paragem do Canas, ali na congestionada Rua Saraiva Carvalho, um indivíduo franzino, de bochechas vincadas e rosadas, com óculos arredondados e um pouco enervado me pergunta ao entrar, com uma voz em que os agudos estavam certamente mais afinados que os graves, «o que é que se passou, para estar aqui há uma hora à espera?!».
Em fracções de segundos, recuei alguns 15 ou 20 anos no tempo, como se estivesse sentado no sofá lá de casa a ver um dos clássicos do cinema português. Ora nem mais, o «Grande Elias», porque na verdade a fala do senhor e a forma como se apresentava, só me criava a imagem do boneco dessa comédia portuguesa de outras gerações que passou anos a fio na RTP.
Mas tentava então explicar ao senhor que o atraso se devia a um automóvel que estava mal estacionado e que os eléctricos estavam a manobrar na raquete dos Prazeres. Mas queria lá ele saber do que eu lhe dizia, até porque ele fazia questão de me interromper com a sua voz fina que «houve impedimento!? Que eu saiba não. Pois liguei para a linha informativa de trânsito da Antena 1 a perguntar se havia impedimento nesta linha, ou nesta zona e disseram-me que estava tudo normal...»
Se um dos passageiros optou por rir, o mesmo não pude fazer por respeito ao passageiro em causa, mas confesso perante os meus leitores assíduos que vontade não me faltou, e de rir como eu ria há muitos anos quando via o tal boneco do grande Elias. Por estas e outras razões, cada vez gosto mais daquilo que faço e divirto-me com o trabalho que tenho.
2 comentários:
Boas, caro Rafael! Confesso que não costumo vir muito aqui ao teu blog, mas gostei bastante deste artigo, que mostra bem aquilo que vocês, guarda-freios e motoristas têm de aguentar todos os dias e todo o dia, passageiros mal dispostos ou que, sempre que algum autocarr ou eléctrico demora mais, toca a descarregar no tripulante... Enfim, é a sociedade que temos. E hoje além dessa interrupção, houve mais outra ao fim da tarde, na Rua Domingos Sequeira, sentido ascendente, devido a acidente. Lá tive de vir da Estrela até cá acima a pé, que até não me importei, porque a temperatura estava boa para fazer algumas centenas de metros a pé a subir, sem chegar cá acima "de língua de fora" ehehe. Ainda há de chegar o dia em que te apanho na 25E ;)
Grande abraço
Será certamente bem recebido Duarte Gomes
Boas Festas!
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