sábado, 25 de dezembro de 2010

É Natal: Retrato de um dia diferente e igual a todos os outos...

O inesperado acontece mesmo em dia de Natal
Os anos passam, mas a tradição mantém-se. À boa maneira portuguesa, as compras são sempre à última da hora e não se estranha portanto que a confusão em véspera de Natal seja muita até perto das 17 horas, contrastando com a calma que se instala na cidade com o fechar das lojas e dos centros comerciais. Abertas restam as lojas cujo, os proprietários são de países que não comemoram o Natal neste dia. 

Natal é por sinal, altura da família se juntar em casa e comer o bacalhau cozido com a couve batata e grão, mas é também altura de dar cor ás mesas com o tradicional bolo rei, os sonhos, as filhós, as broas e tudo o que ajude a aumentar o peso, acabando com as dietas que se tentam cumprir ao longo de todo o ano. Mas o Natal também aqui merece destaque por outras razões, aquelas que poucos se lembram, mesmo que utilizem os transportes públicos para levar até suas casas as ditas iguarias e guloseimas, para que a noite seja repleta de satisfação.

Se em alguns locais os transportes terminam cedo neste dia para que os tripulantes possam pelo menos um dia no ano conviver com as suas famílias, em Lisboa isso já não acontece e a par de outras profissões, os tripulantes da Carris estão também sujeitos a passar esta data, que celebra o nascimento de Jesus, junto daqueles que nem uma saudação dão na entrada do autocarro ou do eléctrico. Afinal de contas, para os passageiros é um dia como os outros e se calhar nós é que damos demasiada atenção a estes factos porque pensamos como devem estar a ser divertidas as convivências lá por casa.
Até tinha um lugar para estacionar, mas dava muito trabalho...

Realmente este é um dia como os outros. Das interrupções de quem faz uma compra de última hora às histórias de vida que se cruzam entre a porta de entrada e saída do eléctrico, daqueles que talvez já tenham tido tudo a seus pés e que agora não têm nada. Sozinhos, permanecem neste dia sentados à espera do transporte que os vai acolher por alguns instantes, com gente que também não conhecem, mas com quem procuram desabafar.

As ruas ficam desertas ao entardecer. As luzes das montras dão colorido a um vazio de pessoas. Vêm-se alguns carros repletos de sacos e embrulhos. Vêm-se autocarros vazios, eléctricos e táxis são poucos. No meio disto tudo ainda aparece alguém a desejar umas «boas festas e um feliz natal, com saúde e paz...», o que faz esquecer por instantes toda uma tarde em que passamos como despercebidos numa cidade atarefada à procura do sossego por um dia.

As viagens que duram cinquenta minutos, fazem-se em vinte porque o trânsito parece-se mais com o de uma pequena vila e as paragens estão desertas. No semáforo vermelho há tempo para ver que neste dia os prédios estão mais iluminados que nunca. Anunciam presença de gente em casa, reunida à volta de uma mesa ou de uma lareira. Mas na paragem seguinte ainda entra uma senhora com uma pergunta para a qual pensa não ter resposta. «Provavelmente não saberá, mas por acaso sabe onde posso encontrar uma churrasqueira aberta?»

Ao longo do percurso passamos por duas na Graça e ambas encontram-se encerradas. Aliás tudo está encerrado na Graça. A senhora apeia-se em Sapadores agradecendo a atenção e desejando um Bom Natal, e continuando a sua tarefa difícil de tentar encontrar algum estabelecimento que lhe satisfizesse o apetite. Chego ao Martim Moniz onde estão os intermitentes de quatro eléctricos ligados. Anunciam uma interrupção devido a um acidente entre um particular e um táxi. Alguns minutos até ser preenchida a declaração e já só faltava uma ida aos Prazeres para terminar o serviço.

A solidão a procurar companhia num eléctrico vazio...
O percurso fica livre e inicio nova viagem. À espera na paragem estava já uma idosa, de rosto abatido de tanto esperar ao frio por um transporte que tardava em aparecer e tudo claro está, por causa do já referido acidente. Mal se pode mexer, mas tenta arranjar fôlego para me dizer que há muito que estava à espera do eléctrico. Senta-se solitária num dos bancos do eléctrico. Curva após curva lamenta-se da falta de companhia, das dores, da solidão e do Natal. Até que... se faz silêncio. Estava-mos já na Rua da Conceição. Olho pelo espelho e vejo que se deixa vencer pelo cansaço.

Mas a subida da Calçada de São Francisco leva-a à desforra e pede-me para que pare no fundo da Calçada do Combro. Pede-me desculpa por todo o incómodo e pela espera em mover-se até ao exterior do eléctrico e despede-se com um «Feliz Natal e saúdinha!».

Resumindo, este é já o quarto Natal que passo em serviço na Carris e quer seja nos autocarros, quer seja nos eléctricos, o Natal é igual em todo o lado. Uns alegres, outros tristes. Uns sozinhos e outros acompanhados e esta última imagem que vos deixo com este texto é o retrato de uma noite de Natal num transporte público em Lisboa.

Votos de Boas Festas e que façam de todos os dias um Natal diferente!

5 comentários:

helder disse...

E provavelmente irás passar mais ainda, mas espero que sejam poucos, enquanto a mim acho que não voltarei mais a trabalhar no natal ou passagem de ano na Carris, pelo que desejo-te desde felizes natais e bons anos novos e que contes muitos e com saúde , Rafael.
Pedi a demissão em Novembro e irei embora no dia 22 de Janeiro.
Sou o Helder Reis dos semi da 22.
Um abraço
Helder

Angelo disse...

Feliz Natal!

Anónimo disse...

O Natal bem retratado de uma
solidão, entre tantas outras que
não se veêm. Mais uma vez um belo
texto!.
M.Júlia

Anónimo disse...

eu sinceramente não tenho paciencia para os velhotes, admito, mas dá-me pena quando vejo que alguns podem ser chatos mas só procuram alguém que lhes dê uma palavra, e pensar que essa velhota muito provavelmente para além do natal passa os dias sozinha...
se calhar os tripulantes foram os únicos que ainda lhe desejaram feliz natal.
Marques.

Rafael Santos disse...

A todos os que comentaram aqui deixo os meus agradecimentos e votos de boas festas.

Hélder, se assim é, desejo-te tudo de bom para a tua nova etapa.

Cumprimentos,

Rafael Santos

Translate