Em vésperas de voltar ao trabalho depois de uma semana de pausa, decidi esta tarde ir até ao centro de Lisboa e dar uma espreitadela por algumas livrarias, com o objectivo de ver alguns títulos que possa vir a encontrar na Feira do Livro de Lisboa que arranca já quarta-feira. Decidi portanto que iria de Carris até à Baixa, deixando assim à porta o carro e a preocupação com o estacionamento que além de difícil, não é nada barato na zona em questão.
O tempo não estava agradável, como aliás não tem estado nos últimos dias. Ora cinzento, ora soalheiro, ora chuvoso ou ventoso, o certo é que consegui andar pelas ruas de Lisboa sem recurso ao chapéu de chuva. Pela viagem e na pele de passageiro, constatei que as pessoas continuam a pensar que se deslocam num transporte público como se fossem as únicas a serem conduzidas por um motorista, que até tem uma farda bonita de se ver e que conduz não um carro qualquer, mas sim um autocarro.
Se para ir até à Baixa optei pelo 735, já na viagem de regresso ao meu ponto de partida acabei por optar pelo 706. Depois de percorridas algumas ruas, lojas e com uma pausa para um café na sempre agradável «Padaria Portuguesa», acabei por subir a Avenida da Liberdade que tantas vezes subi e desci ao volante das carreiras 36, 44 e 745. Aguardei então a chegada do 706 que segundo o "painel ao minuto" faltavam 3 minutos para a sua chegada. Os 3 minutos bateram certo e depois de entrar e validar o meu título de transporte, algo que entre os 8 passageiros que entraram só 6 o fizeram, cumprimentei o colega e sentei-me na segunda fila após a porta da saída.
Andar de autocarro tem algumas vantagens como a realização de uma viagem despreocupada e descansada, mas nem sempre isto é possível, por muito boas que sejam as condições que a própria Carris tem vindo a oferecer, quer seja pelo conforto dos seus autocarros, quer seja por iniciativas como o "Carris NetBus", ou até mesmo pela prestação do serviço da maioria dos seus tripulantes. E tudo porque basta viajar no mesmo autocarro quem olhe só para o seu umbigo.
Na verdade nunca uma viagem entre a R. Alexandre Herculano e a Pç. Paiva Couceiro, me custou tanto e tudo graças a um casal que teimava em querer dar atenção à filha, que provavelmente nem em casa tem tanta atenção dos pais. A criança era irrequieta e aparentava regressar do infantário com toda a energia. O pai, parecia ainda mais criança que a própria filha e a mãe, essa puxava cada vez mais pelo irrequietismo da pequena que se via obrigada a responder a mil e uma perguntas. «O que é que papaste?...Leitinho? Pãozinho? Sopinha? Iogurte?...»
A criança respondia como as da sua idade na maioria respondem, ou seja, «xim...» De repente o interesse na alimentação da rapariga passava para as cores que compunham o tecido que forra as cadeiras do autocarro. «Que cor é esta?...» perguntava insistentemente a mãe em alto e bom som. Se eu, sentado atrás do referido casal já não os podia ouvir, certamente que lá à frente o motorista, também estaria desejoso de ouvir tanta pergunta, mas... longe daquele autocarro. Atrás de mim uma senhora bufava e ao meu lado, um senhor acabava por fechar o jornal.
A menina parecia a certa altura estar vencida pelo cansaço e quando a calma parecia estar de volta à viagem, na fila da direita um telemóvel toca. A criança acha graça ao toque, diria eu, pré-histórico da era dos telemóveis e quem atendia parecia ter vontade de competir com a mãe da criança. «Estoue? Sim Lisete...já estoue a caminho! (pausa...) Ela não estava lá, mas eu deixei recado na recepção que tinha lá passado para lhe mostrar o exame à próstata que o meu marido fez na semana passada!», gritava a senhora ao telemóvel como se a Lisete estivesse do outro lado do planeta. Ficou a saber a Lisete e todo autocarro que não tinha tido êxito a tentativa de mostrar à médica o exame à próstata do seu esposo.
Mas havia alguma necessidade de toda a gente ficar a saber o que comeu a criança ou que o marido daquela senhora foi fazer um exame à próstata? Certamente que não, mas enquanto houver pessoas que se esquecem ou ignoram completamente o espaço público, vamos continuar a saber o problema de Fulano e Sicrano, e vamos continuar por vezes a viajar sem nos conseguir-mos abstrair das conversas que nos "obrigam" a escutar. Hoje foi assim no 706 como pode também ter sido assim ontem no 44 ou como será amanhã na 723. São situações vividas e presenciadas durante minutos que mais parecem horas, em viagens curtas que parecem longas, num transporte que embora muitos possam pensar ser particular, é público.
7 comentários:
E quando entram a falar ao telefone e só desligam quando a carreira termina passado quase 40 minutos? fica-se a saber a vidinha toda da família!
Uma das coisas que mais me irrita é mesmo essa situação de alguem estar a falar ao telemóvel aos altos berros ou então um casal a discutir.
Olá Rafael. Já vi que és além de um condutor atento um passageiro atento! E realmente acontece com cada uma. Certamente a intenção desse casal era mostrar aos outros como a sua criança é espertinha, e depois acabam por pregar uma seca daquelas a quem os ouve; e a conversa da sra ao telefone, para mim é um "dejá vu"!
Enfim...
pior que isso só 2 africanas num articulado da 745, uma na primeira cadeira e a outra numa das ultimas cadeiras junto do vidro traseiro, a falarem ( leia-se gritar ) uma com a outra em críolo. lol.
marques.
É por essas e por outras que quando me ligam e eu vou no autocarro/eléctrico costumo dizer um "Já te ligo!". É que se a nossa intenção é que quem está do outro lado da linha ouça, regra geral temos de gritar (porque na maioria das vezes o trânsito e o ruído ambiente não ajudam). Mas eu também não quero nem chatear os outros passageiros, nem muito menos que eles ouçam a minha vidinha toda. Sendo assim corto o mal pela raiz e ligo depois (:
Boas viagens! **
Boa tarde,
Há lapsos na sua história Rafael... Não condiz com a realidade. Tem a certeza que a senhora não disse "prósta" em vez de "próstata" :-) e nunca "tou a caminho" mas antes "apanhei agora o carro...". E foi pena não ter mencionado, por alguma forma,que tinha de carregar o "passo" (na verdade "passe"). Se os autocarros podiam passar sem estas pessoas... podiam, mas não eram a mesma coisa :-)
Caro Anónimo de 27 de Abril de 2012 11:32,
Não se tratam de lapsos mais sim da reprodução integral do diálogo ouvido a bordo do 706.
Cumprimentos,
Rafael Santos
Enviar um comentário