Não havia certamente melhor forma de começar uma semana de trabalho como esta quarta-feira onde o calor fez-se finalmente sentir e com força na capital. Os termómetros passaram dos 25 graus e por azar o autocarro tinha o ar condicionado avariado. Já a meio da tarde e depois de uma viagem lá entrou um senhor que apesar de não ter dito "boa tarde", ainda foi capaz de dizer «abra mas é o ar condicionado que morremos aqui de calor!!...»
Estaria eu à espera que o referido passageiro chegasse para me aperceber que estava assim tanto calor? Ou gostaria eu de transpirar só para não ligar o ar condicionado?... Bem há sempre quem pense que uma destas hipóteses poderá ser a resposta, mas adiante...
Hoje assisti à maior [como vou eu chamar ao que assisti?!..] peixeirada a bordo de um autocarro. O bairrismo está sempre presente na 742, ora na Madre Deus ora na Ajuda há sempre alguém que grita mais alto que o outro, mas hoje nem teve nada haver com os bairros em si, até porque as marchas são lá para Junho. Recorda-se certamente de um post que aqui escrevi sobre o dia de Carnaval que falava sobre uma senhora que havia entrado mascarada e que se tinha metido com o Polícia da Madre Deus. Pois bem, esta senhora já tem lugar cativo nesta carreira, transportando-se várias vezes, ora de manhã ora de tarde e até já vai conhecendo e cumprimentado alguns motoristas.
Como a 742 até é das carreiras onde marco mais presença, a referida senhora - sempre muito reinadia - já me conhece e lá me cumprimenta sempre que me vê. Hoje lá entrou e sentou-se no primeiro lugar. O autocarro aos poucos foi enchendo e na Morais Soares já entravam com dificuldade. Seguia eu para o Bairro Madre Deus quando ouço esta senhora em jeito de brincadeira perguntar a um senhor que, dado o aperto na coxia, lá deu um encosto no seu braço. «Ouça lá... Veja lá se quer ir no meu colo!?!...» Mas o senhor em questão não a levou muito para a brincadeira e muito menos a senhora que o acompanhava.
«Não preciso minha senhora! A senhora se quer arranjar colo tem de arranjar alguém mais novo...» e esta não perdeu tempo em responder «pois porque para velho já lá tenho um em casa e se quiser também lhe dou...» E lá ia falando mas sem receber troco aparentemente. Pensava eu que a história iria ficar por ali. Chegamos então ao Alto de São João e quer o senhor, quer a sua acompanhante saíram, seguindo o seu rumo, mas não sem antes voltar a provocar a senhora da Madre Deus com um adeus diferente. Acenou com a mão e "soprou" um beijo tal e qual os contos românticos que se lêem por ai nos livros expostos nas prateleiras de Romance de uma Fnac ou Bertrand...
Indignadíssima com tamanha provocação, a senhora da Madre Deus, desata aos gritos insultando e injuriando a atitude do «patife» que aparentava ser um senhor de bem. Confesso que até me deu certa vontade de rir, mas de imediato vi que a revolta de quem tinha seguido a bordo de um autocarro sem lhe poder chegar ao pêlo, era bem maior que eu pensava. Nem o vidro do autocarro escapou a umas valentes palmadas... «Olhem-me um c..... destes ãnnnn. A provocar-me na frente da mulher! Só pode ser arranjinho de certeza porque ela ainda se riu e tudo. Vejam só isto a mandar beijinhos. P..... que a pariu!», gritava já voltada para trás enquanto seguia a marcha e não sem antes lhe pedir um pouco de calma para evitar quebrar o vidro que não tinha culpa alguma.
Pelo espelho via os restantes passageiros a observarem a situação com um riso na face e outros até com palavras de apoio. Chegados á Madre Deus, lá se despediu e pediu desculpa, ao que lhe disse para ter calma e, em jeito de brincadeira [também da minha parte] para se portar bem. De imediato me disse: «Eu porto-me sempre bem, não vê??!! Estas gajas é que se metem comigo. Mas eu sou velha mas não sou gaga, graças a Deus...» E lá foi á vida dela!
Também eu segui para mais uma viagem porque hoje, não sei que se passou, mas havia muito trânsito e nem tempo havia para arrefecer a cadeira. Sigo então para o Casalinho da Ajuda e uma vez mais e perto do El Corte Inglês, lá estava, o então conhecido por "Senhor do Adeus". Sim é aquele que costuma estar no Saldanha ou no Restelo e que há pouco tempo até deu uma entrevista para a rubrica "Cromos de Lisboa" da revista TimeOut. Entrou e mais uma vez... nem água vai nem água vem, mas desta vez, não se livrou de voltar dois passos atrás e validar o seu Lisboa Viva. Sem dúvida um grande cromo da nossa cidade...
Para finalizar o dia ainda transportei o João. Perguntam vocês mas quem é o João?! Pois quem não o conhece da Madre Deus. «Forte e feio» como o próprio faz questão de se apresentar. Entrou em Alcântara e hoje vinha para por a conversa em dia e sem lhe ter perguntado nada tive de ouvir quase toda a história da vida dele. Da colega que favorece o colega ao casamento que ficou em «águas de bacalhau... Até casa tinha, mas não deu certo e tive de a vender», dizia mas sem desviar o olhar da rua onde algumas senhoras mais acaloradas passeavam com trajes de - como se costuma dizer - "fazer parar o trânsito" e quem nem ele resistia «elas a passarem lá fora e eu aqui a sofrer com tanto calor... Ai João, sofre coração... aguenta João...», e lá veio até à Madre Deus contando-me a história da sua vida mas alto e bom som para que os restantes passageiros também a conhecessem.
Amanhã há mais, mas espero que seja um pouco mais calmo que hoje porque até parece que me saiu a rifa porque não bastando a gritaria no alto de São João e o calor que se fazia sentir ainda houve quem entrasse com camisolas de lã e gola alta fazendo-me ainda mais calor...
Boas Viagens!
Fotos:
Senhor do adeus - retirada algures na Internet
Autocarro na 742 - Gentilmente cedida por Pedro Almeida
15 comentários:
Parabéns, Rafael! Para mim, o melhor post até agora. Fez-me rir a bom som! Não só na parte em que os teus passageiros trocaram piropos, mas sobretudo na parte em que o senhor acenou e soprou com um beijo à senhora. Cereja no topo do bolo quando a mesma responde: "Olhem-me um c..... destes ãnnnn. A provocar-me na frente da mulher! Só pode ser arranjinho de certeza porque ela ainda se riu e tudo.". Simplesmente brutal! Realmente vê-se de tudo e até há tempo para aturar uns cromos que de vez em quando vão aparecendo.
Quanto ao Senhor do Adeus, ele é um ícone da nossa capital. Falar de Lisboa sem falar desse homem é o mesmo que falar do Vaticano sem falar do Papa. Conheço-o há mais de 10 anos, seguramente. Como ando na carreira 751 com frequência já não me faz confusão a sua presença diária na Av. do Restelo a partir das 18 horas. Sei que por volta das 23 horas vai para o Saldanha, onde fica até às 2 horas. Na 751, para além dos muitos passageiros que lhe dizem adeus, por vezes nem o motorista se esquece de buzinar ao nosso amigo, que prontamente lhe retribui com um enorme aceno. É sem dúvida um cromo raro da cidade de Lisboa.
Um abraço e boas viagens!
Amigo, sem dúvida o post que mais gostei até hoje....
Desde o trocadilho do título, á tua opinião sobre a senhora da Madre Deus "sempre muito reinadia" ehehe.
Já diz o ditado que "quem anda á chuva molha-se", e realmente nem toda a gente tem a disposição de receber provocações, só porque alguém achou que era mais útil a falar do que calado.
Bem, mas nem faço mais comentários, até porque ADOREI mesmo este post, muito bom mesmo!!
Grande abraço do madeirense!! fica bem amigo!!
Tambem já o vi na 742 no 4078, noutro dia vi-o num sitio diferente, Estrada das Laranjeiras. Ele anda a mudar de sitios LOL
O transito anormal de hoje não será por causa da cratera que se abriu na Av. de Berna? Se sim conta com ele mais um mês e evita a 56. LOL
:D
Condutor da Carris sofreeee, eu ainda me lembro de algumas, mas no meu tempo era só 42.
Ai o bairrismo, o bairrismo...
Parabéns pelo post Rafael, sem dúvida o melhor que li.
O senhor do Adeus encontrei-o a semana passada no 718, à muito tempo que não o via mas desta vez validou o Lisboa viva???? Estranho, nunca o faz...
Grande abraço.
André João Ferreira
Olá Rafael
Gostei muito deste "post", embora
lamente a atitude de gente do meu
Bairro.
Um abraço
APS
Muito interessante. Parabéns.
Cumprimentos
Carlos Correia
Nunca vi esse senhor.. a foto tem um aspecto algo fantasmagórico...
Descobri o porquê desse senhor dizer adeus! Ele não é nenhum maluco, acho que vive sozinho e há três morreu-lhe a mãe, e segundo ele, c incomodava-o estar sozinho em casa sem nada para fazer e decidiu começar com esta brincadeira...
Aos interessados que vejam isto:
http://e-se-tentarmos.blogspot.com/2005/03/o-homem-que-diz-adeus.html
Ele já está de dia no Restelo e à noite no Saldanha há pelo menos 10 anos!
Então o texto é antigo...
Adorei este !
Continua
Abraço de quem circula sobre carris
ARAS
Esse "senhor do adeus" costumava estar na Av. do Restelo onde costumava entrar na carreira 51, mas deixa-me que te diga que tinha um certo receio dele pois tinha um ar um pouco....como ei de dizer? Esquesito, sim é isso, pois o estranho de todo é que quando entrava no carro fica sempre encostado aos motoristas, isto com o carro vazia,isto provalmente porque o motorista era o unico que não podia mudar de lugar para fugir de ao pé dele
Abraços da 750
Bem vindo Pereira!
Sem dúvida que este senhor é dos maiores cromos que conheço na capital :=)
Abraço
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