É sem dúvida uma das carreiras que dá gosto fazer, sobretudo dos Olivais para cima, porque respira-se um bom ar. É uma carreira de extremos. No Martim Moniz, cheiramos o caril e outros aperitivos orientais, já no Parque das Nações respira-se o cheiro dos Pinheiros e da relva acabada de cortar - quando não temos o Tejo a fazer das suas...
O serviço escalado não foi dos melhores, mas até se fez bem. Pelo meio e como não poderia deixar de ser, algumas histórias para contar. Começo seriamente a pensar se anda tudo maluco ou se é efeitos do clima alterado.
Numa das viagens entra um senhor na P.Chile que se senta no lugar perto da porta traseira. Calado, entretido com o percurso e talvez um pouco perdido chega ao Parque das Nações Norte, onde assiste a todos os passageiros a saírem do Autocarro, sendo ele o único resistente. Apercebi-me que estava perdido e disse-lhe que era a paragem terminal da carreira 708.
Começa então o diálogo...
Cliente: «Termina aqui? Mas não passámos a Sony...»
[Pausa]
Cliente: «É que a minha esposa trabalha na discoteca Roma e agora saíram da Av. de Roma e vieram para aqui, mas não sei onde fica...»
Eu: «Mas a Sony fica no Parque das Nações Sul junto ao Casino...»
Cliente: «A Sony? Não... expressei-me mal! Era a minha sobrinha, que é a Sónia, a soninha que mora para lá da ponte e eu pensei que fosse-mos até lá.»
Eu: «Pois a Sónia, não sei, mas como falou em Sony...»
E lá voltou ele comigo para a Praça do Chile, com um ar de quem não tinha conseguido a nova morada da Discoteca Roma.
Na viagem seguinte, e já perto de render para o Almoço, uma senhora, na casa dos seus 70 anos, levanta-se - correndo o risco de cair ali pelo meio das curvas dos Olivais Norte - e questiona-me:
Cliente: «O sr. Sabe informar-me para que serve aquela percentagem de 1.5% que está ali? [apontando para o tablier do Autocarro...]
Eu: «Qual percentagem senhora? Não vejo nada disso...»
Cliente: «Aquela chapa ali ao lado de uma outra que diz Irmãos Mota...»
Eu: «Ahhh, trata-se da altura a que devem estar os faróis de Nevoeiro...Curiosa a senhora.»
Cliente: «Não. Sabe, pensei que fosse algum desconto que tivesse-mos devido à 3.ª idade....»
Digam-me então se acham isto normal?!! Mas o melhor ainda estaria por acontecer...
Na segunda parte do serviço, fui surpreendido a meio, com uma passageira a alertar-me para o facto de estar uma placa no chão... Pensei que fosse alguma das molduras informativas do autocarro, mas a senhora fez questão de me corrigir... «Não, é mesmo uma placa de dentes. Uma prótese que alguém perdeu...»
Nem queria acreditar! E logo me saiu: «Coitada da pessoa. Hoje já não come castanhas.» O autocarro riu-se em peso e lá seguimos viagem com a placa a ser o centro das atenções. Como é possível alguém perder os dentes? É que já vi muita coisa perdida nos autocarros mas dentes nunca tinha visto e há sempre uma primeira vez. Ah e se pensam que estou a inventar... Amanhã quando tiver o meu pc já arranjado, se quiserem coloco uma foto que tirei com o telemóvel. Inédito mesmo!
E assim foi o dia de trabalho, que terminou com uma grande gargalhada no abastecimento, porque ninguém acreditava até ver a placa lá no chão do autocarro...
6 comentários:
cheguei via post de Pedro Rolo Duarte.
Só posso dizer BRAVO. Apesar de não morar em Lisboa, acho fantástica a leitura que faz da cidade e dos seus habitantes, bem como o empenho e mesmo carinho pelo trabalho que faz (não sendo provavelmente o seu sonho nem objectivo de carreira profissional).
Parabéns. Continue...
Ahahahaha! Essa da placa está muito boa. Mas olha que uma vez no eléctrico articulado alguém que estava bem aflitinho deixou, não uma placa dentária, mas umas magníficas fezes, mesmo juntinho à máquina dos bilhetes. É verdade, verdadinha!
Parabens pelo blog, especialmente pela ideia que é fantástica. Você mostra que é bom observador e tem espírito de curiosidade. Podia ser repórter.
Eu, que fui jornalista, gostaria de ter na minha redacção um repórter com esse espírito.
E como sou a chamada utente da Carris
gostaria um dia de o encontrar no meu autocarro.
Já agora conto que uma dia, em época de Natal, uma jovem minha amiga, muito distraída e desenvolta, entrou de rompante no autocarro e sentou-se precisamente no lugar onde um senhor de idade tinha acabado de pousar um grande bolo rei. Claro que o bolo rei deixou de ser o bolo rei que todos conhecemos.
Enfim, amigo, continue a contar-nos as suas histórias e a ver tudo com olhos de ver, isto é, com olhos de repórter.
A todos os que têem seguido e comentado o Blog, muito obrigado por todo o apoio... Quanto a si Mariababone, pode ser que um dia se cruze comigo, tudo depende da carreira... Já sobre o jornalismo, cheguei a trabalhar na SIC e TVI, como operador de Câmara, tendo feito reportagem na SIC, agora conduzo autocarros por falta de trabalho no ramo...
olá outra vez rafael, deixei aqui o meu comentário, mas agora vim reler e não o encontro. vou escrever mais uma vez: preciso de entrar em contacto consigo por causa do seu blog e do seu olhar de repórter. se puder, deixe-me o seu endereço de email para poder explicar-lhe com mais pormenor do que se trata (mohito@hotmail.com)
desde já muito obrigada, ana
E eu que pensava que as perdas nos autocarros continuavam a ser apenas chapéus de chuva e sacos de compras.
Verdade seja dita, talvez o caso mais curioso a que assisti foi na carreira 67. Um casal de idosos saiu mas deixou o carro das compras a bordo. Entretanto alguém deu por isso e informou o motorista, que encostou o autocarro e abriu o carrinho a verificar se teria alguma identificação. Não tendo, a viagem prosseguiu rumo ao Campo Mártires da Pátria e o carrinho ficou junto ao posto de condução. E eis que ao chegar à rotunda da Estefânia, surge o tal senhor de idade a correr para reclamar o carrinho que tinha deixado a bordo, que lhe foi prontamente entregue.
Seja como for, creio que depois deste achado vou começar a estar mais atento. Não vá pisar ou sentar-me em cima de qualquer coisa indesejável...
Cumprimentos
Carlos Correia
element@netcabo.pt
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