segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Um dia diferente e «de bonde para matar saudades...»

Quando temos um serviço de aluguer pelas colinas de Lisboa, a incógnita acompanha o guarda-freio nos minutos que estão destinados ao preparar do carro e à espera dos passageiros. Uns mais introvertidos, outros mais formais. Há de todos os tipos e para todos os gostos. Em todos há uma coisa em comum: raramente chegam a horas ao aluguer, o que acaba por ser normal porque se trata de um grupo em que cada um depende de todos e todos dependem de cada um.

Mas o aluguer que fiz hoje, foi sem dúvida daqueles que mais me marcou. Diria mesmo que foi aquele que jamais esquecerei e o mais provável é ficarem admirados quando vos disser que o grupo era de idosos com mais de 60 anos, mas que tinham em comum uma particularidade. Todos eles são emigrantes e não visitavam Portugal há pelo menos 10 anos.
A simpatia de todos os passageiros foi nota dominante logo à chegada. A guia do grupo apresentou-me aos idosos dizendo-lhes que seria eu «que lhes iria proporcionar uma viagem fantástica de eléctrico pelas colinas de Lisboa». Há melhor forma de começar o dia? 

Com alguma dificuldade inicial em impor a voz, dada euforia daqueles portugueses que há mais de 10 anos não andavam de eléctrico em Lisboa, a guia lá lhes foi falando nos azulejos, no fado, no Tejo e claro está... nas sete colinas da cidade, sempre com um pouco de humor à mistura.

Primeira paragem: Praça do Comércio, o local escolhido para a foto de grupo, onde fizeram questão que o «senhor Santos do bondinho fique na foto para dizer no Brasil quem nos levou pelos trilhos», dizia um sexagenário do mais divertido que já encontrei. Dali partimos para o percurso da carreira 28E que levou os 21 emigrantes vindos da Argentina, África do Sul, Venezuela e Brasil ao delírio, nomeadamente quando o eléctrico "sussurrou" com o prédio de esquina do Beco da Mó.
Pelo meio da viagem cantaram fado, contaram-se anedotas, tiraram-se fotografias e falou-se de história. No final, já nem me lembrava do frio que tinha passado à espera do grupo (porque estava bastante fria a manhã), e já tinham passado mais de 3 horas com aquele grupo que fez questão de se despedir do guarda-freio um por um, agradecendo imenso o prazer «que foi percorrer esta nossa cidade tantos anos depois e com tantas modificações, num eléctrico que é único no Mundo», dizia uma senhora.

«Senhor Santos, jamais irei esquecer este passeio que nos proporcionou. Desejo-lhe muitos anos de vida porque tão novo, nota-se que faz o que gosta e isso é bom de mais...», dizia em voz alta uma das mais animadas idosas a viver actualmente no Brasil. E é por estas e por outras que cada vez mais, gosto do que faço, porque é esta a minha praia e por isso mesmo, sou um felizardo.

À despedida, juntaram-se conselhos de viagem à Africa do Sul, Argentina, Venezuela e ao Brasil que estava representado em maioria, no grupo de idosos do programa "Portugal no Coração", da Fundação Inatel, em parceria com outras entidades e com o Ministério dos Negócios Estrangeiros. 

Mas agora que cheguei ao final de mais um dia de trabalho só mesmo este grupo me faz esquecer o cansaço e recuperar forças para que amanha proporcione os mesmos sentimentos não só a turistas e emigrantes, mas também a  todos os restantes passageiros dos eléctricos de Lisboa.

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