domingo, 29 de julho de 2012

Como passageiro vivenciando os "mistérios de Lisboa" numa viagem a bordo do 742


"Longe da calma vivida no campo, ou da brisa que corre sobre o areal da praia, continua o dia-a-dia numa grande cidade como Lisboa. Os gestos diários de quem se movimenta pelas ruas empedradas de calcário com desenhos feitos com recurso a basalto, criam rotinas e hábitos que se cruzam diariamente com os autocarros e eléctricos que também eles percorrem o asfalto e os carris marcando presença em Lisboa há quase 140 anos.

Pelas portas desses mesmos transportes entram e saem pessoas que procuram chegar a um lugar. Diria mesmo que pelas portas dos autocarros e eléctricos entram estados de emoção que têm de ser geridos por vezes pelo tripulante, para que seja mantida a ordem no interior do transporte, que não é particular mas sim público. Contudo, nem sempre é possível estabelecer-se um equilíbrio. Uma viagem que pode ser tranquila, depressa se torna num desassossego.

Junto à porta da saída do autocarro da 742 segue um jovem a sua viagem desfrutando da música que se faz ouvir nos seus auscultadores. O autocarro não vai cheio, mas diria que vai composto e hoje não sou tripulante, mas sim passageiro. Entrei na paragem de São Sebastião com destino ao Bairro Madre Deus, depois de algum tempo de espera nesta noite que parece mais de inverno, que de verão.

Comigo entrou uma senhora carregada de sacos vermelhos alusivos aos saldos do El Corte Inglês, e uma jovem que minutos antes na paragem tinha desabafado com a sua tia ao telefone, que estava já há uns 20 minutos à espera do 742. No interior do Mercedes OC 500 seguem novos e velhos, portugueses e estrangeiros. Um misto de emoções, de estados de espírito. Olhares cansados, outros prontos para uma noite de festa. O motorista prossegue a viagem atento nas ruas pouco iluminadas que ligam São Sebastião ao Arco do Cego.

Continuo sem perceber o porquê dos autocarros não prosseguirem neste sentido pela Av. Duque D’Ávila, como era no tempo em que eu era ainda motorista e iniciava a minha carreira na Carris. Umas paragens mais à frente o autocarro vai já mais composto e quando chegamos à Praça do Chile, mais composto ficou. O silêncio que era quebrado até então por uma passageira que no primeiro banco da frente, teimava em falar ao telefone como se a pessoa que estivesse do outro lado a ouvi-la, estivesse no outro lado do Atlântico, era agora quebrado por quem entrava com cachecóis verdes e brancos ao pescoço.

Vinham do Estádio de Alvalade as três mulheres que orgulhosamente ostentavam as cores do clube leonino. Duas sentam-se no banco atrás do meu e a terceira ao meu lado. Escusado será dizer que durante as três paragens seguintes, tive de saber o que se tinha passado dentro do estádio, e a alegria sentida por uma das senhoras por ir ver o seu clube vencer. Do futebol às doenças foram segundos, porque a passageira que seguia na fila de trás dizia que se pudesse ir sempre ao estádio, o Sporting ganhava sempre, porque sempre que foi o resultado foi positivo.

A que estava ao meu lado respondia, «então tem de ir sempre!», mas isso era algo impossível para quem dizia ter um filho novo bastante doente. Mas o fanatismo da que seguia ao meu lado, não queria saber de doenças nem de desculpas. «Eu também tenho doenças e muitos problemas e vou a todos, porque para ir à bola, não em dói nada e vou com outro espírito», afirmava convicta. De facto esta senhora tinha muitos problemas e um dos quais identifiquei-o logo. Além de se meter na conversa das que seguiam atrás ainda falava alto num transporte público. Mas afinal quem é que lhe tinha pedido opinião?

Entretanto, entra o último passageiro da fila que embora fosse apenas um, vinha já “acompanhado”. Entrou e ao sinal vermelho do validador, respondeu que «não sou do Benfica pá!», seguindo caminho até ao espaço em frente à porta da saída. Pensando a maioria que ali iria ficar sossegado, decide lançar uma questão...

«Qual é a coisa mais parecida com uma televisão?....», mas ninguém lhe respondeu. «Eu volto a perguntar a todos os que aqui vão dentro. Qual a coisa mais parecida com uma televisão?...»

Já não se ouviam as sportinguistas, nem a do telemóvel, nem tão pouco resposta para a pergunta. Todos tentavam desviar a atenção daquele indivíduo que teimava em chatear quem seguia tranquilamente a sua viagem até que voltou a gritar, «Qual é a coisa mais parecida com uma televisão?....», até que o motorista pediu, para que deixasse as pessoas sossegadas.

Entretanto chegava a paragem onde eu pretendia sair. Comigo saíram umas quatro pessoas e as restantes prosseguiram viagem com a pergunta que teimava em não ter resposta. Não quero imaginar como deve ter sido longa aquela chegada ao Bairro Madre Deus, que me fez lembrar muitas viagens que fiz naquela carreira. Os anos passam, as pessoas mudam, os hábitos nem tanto, mas as viagens, essas serão sempre incertas e todas diferentes. Afinal de contas estão sempre em volta de mistérios, que são em Lisboa, como poderiam ser noutra parte do mundo, onde hajam pessoas que teimam em perturbar a tranquila viagem de um transporte público".

Lisboa, 28 de Julho de 2012 às 22h07.

1 comentário:

CR 35 disse...

Que treta ! eu a pensar que ia saber a resposta ! como o António Costa não anda de transportes e acha piada ás esplanadas postadas nas ruas, qualquer dia os transportes públicos de superfície dão a volta a Lisboa para um destino de meia dúzia de metros.E um VIVA AOS CLUBES de LISBOA ,grandes e pequeninos.

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