
O certo é que em segundos vejo que a realidade é mesmo o que os meus olhos vêem e se numa tarde onde os turistas eram a nota dominante até na carreira 18E, onde vendi mais de 40 bilhetes (algo também fora do normal, nesta carreira que tem dias que surpreendem mesmo quem queria acabar com ela), deixaram de o ser logo depois de, já perto do final da tarde, ter chegado à paragem do Cais do Sodré, com destino à Ajuda, e ter na paragem um passageiro com o seu estilo heavy metal apurado, de phones nos ouvidos e o belo do óculo de sol à aviador. De casaco comprido preto e cruz prateada ao pescoço, lá ia fazendo a vénia a quem entrava no eléctrico, deixando-se ficar para último.
Já prestes a retomar a marcha, acaba mesmo por entrar e o som dos seus phones era de imediato audível em todo o eléctrico. «Boa tarde sr. guarda-freio, quero um bilhete s.f.f.», dizia de forma alegre, ao mesmo tempo que a perna acompanhava a batida da bateria. O bilhete rapidamente sai da máquina e num instante pergunta-me se pode ali permanecer encostado à esquerda do eléctrico: «não se importa que vá aqui, pois não? É para apanhar o fresquinho da janela», dizia ao mesmo tempo que voltava a colocar o phone na orelha esquerda e acrescentando que «é uma loucura andar de eléctrico. Muito obrigado por vocês serem honestos e manterem de pé este meu prazer que é andar de eléctrico».
Atrás de mim ia já um senhor com um sorriso e com um pensamento que nem eu quero imaginar. O homem lá continuava a ouvir o seu heavy metal, obrigando-me também a ter de ouvir os decibéis que, eram perceptíveis mesmo para quem não levava nada nos ouvidos. Já na paragem do Conde Barão diz-me que eu devia ter orgulho na minha profissão ("por acaso até tenho") porque ser guarda-freio sempre foi uma profissão que lhe invejou, garantia.
«Mas quando era mais novo o que eu queria mesmo era ser guarda-freio do 28. Ehehe dava mesmo Graça ter os Prazeres de conduzir estes carros, não sei porquê. Não ligue, talvez por causa da manivela não sei», dizia ao mesmo tempo que curtia a música e a viagem no eléctrico. Já em Santos, talvez pelo facto do final de tarde ter arrefecido, decide sentar-se lá atrás e dar também música aos restantes. Os sorrisos pela figura única que ali se transportava, perdoem-me a redundância, eram trocados entre os restantes passageiros e quando chegou à Boa-Hora, despede-se dizendo boa tarde a todos e gritando que «eu gosto de andar de eléctrico e digo a toda a gente, ao contrário de outros. Desculpem mas eu curto mesmo disto!»
Já do lado de fora do eléctrico segue o seu rumo enquanto que alguém no interior do eléctrico dizia que «o homem deve ser é doido!». A verdade é que o homem não se meteu com ninguém, pagou bilhete e ainda curtiu a viagem à sua maneira.

São estas e outras coisas que fazem desta profissão única e como alguém disse esta tarde, ser uma profissão digna de se ter orgulho.
4 comentários:
Há ainda pessoas maravilhosas nesta cidade.
Quanto ao tipo do heavy metal... O barulho já o deve ter confundido todo, mas se gosta de eléctricos, a gente perdoa!
As aparências iludem e neste caso ainda bem.
Um dia destes tenho de te fazer uma visitinha.
Abraço.
Também já apanhei um tipo desse género, mas foi na 781.
Dentro desta linha, aqui fica outra ( http://estorias-oldfashion.blogspot.com/2009/06/soft-drink.html ).
Que o mundo está cheio de gente boa! Nós é que não as vemos!
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