quinta-feira, 20 de setembro de 2012

[Agência Lusa] Carris/140 anos: A vida de um tripulante deu um livro

Lisboa, 15 set (Lusa) - Dentaduras no chão, um 'chinelómetro' e diferentes tipos de passe são alguns dos ingredientes das melhores peripécias do dia-a-dia do tripulante da Carris Rafael Santos, que desde junho podem ser lidas em livro.

Ainda estava na formação para ser motorista da Carris e Rafael Santos, de 29 anos, já era alertado pelo formador das muitas histórias que iria ter para contar. Mas foi apenas quando começou a contar o seu dia-a-dia a amigos e familiares que percebeu que a sua vida daria, pelo menos, um blogue. 

"Ia no 708 com destino ao Parque das Nações e alguém me diz que tinha uma placa no chão. Eu pensava que era uma daquelas molduras de informação, quando fui a ver era mesmo uma prótese dentária. Alguém tinha perdido os dentes! No primeiro olhar parecia uma goma, que aquilo estava tão gasto. Quando cheguei ao terminal entreguei nos perdidos e achados, mas não sei se foi lá alguém buscar", conta, entre risos Rafael Santos.

O blogue http://diariodotripulante.blogspot.pt/ "começou por brincadeira" e para "dar a conhecer o trabalho de quem conduz milhares de pessoas por Lisboa diariamente". 

Uma das personagens recorrente nas histórias deste guarda-freio é o turista, do que mistura o francês com o português ao que quer ir para o "Castelo dos Jerónimos".
Mas Rafael Santos destaca a participação de um turista numa interrupção na Rua de São Paulo, onde dois elétricos não conseguiam passar, devido a um carro mal estacionado.

"O turista devia achar-se mais experiente do que nós [guarda-freios]. Saiu do elétrico, sacou do chinelo, ou 'chinelómetro', e foi medir a distância entre o elétrico e o carro, para nos dizer que efetivamente não passava", conta.

Pertencendo à empresa com uma das taxas de acidentes mais reduzidas da Europa, o guarda-freio admite que os problemas com carros mal estacionados quase que o levaram a distribuir folhetos com artigos essenciais do código da estrada. De uma vez, na Estrela, quase que passou por polícia.

"O tipo ia ultrapassar pela direita comigo parado na paragem, com os passageiros sujeitos a serem atropelados. Como o 15 tem um microfone que dá para falar para a rua, gritei: 'Atenção à ultrapassagem pela direita!' Ele assustou-se, deve ter pensado que era a polícia e parou logo, a olhar para todo o lado", descreve. 

As histórias sucedem-se: das discussões por causa de um lugar reservado, passando pelos passageiros que conhecem o administrador e pelas senhoras arranjadas que cortam as unhas no elétrico, aos preservativos encontrados nos últimos lugares.
"Acontece-nos de tudo!", responde. 

No entanto, e porque há histórias que se repetem por várias vezes, Rafael Santos e uma colega decidiram atribuir sete novos nomes aos passes usados na Carris: passe Raspadinha (que é "raspado desesperadamente na máquina até que dê sinal"), o Familiar ("entram um grupo e só um é que valida"), o Saudação ("entra, cumprimenta o guarda-freio e vai-se sentar), o Analfabeto ("está inválido e a máquina é que não funciona"), o Surdo ("não faz som e vai-se sentar") o Espanhol ("carrega em todo o lado e só depois valida") e o Livre-trânsito (compra um bilhete e usam várias vezes).

Num tom mais sério, Rafael Santos destaca a vertente de "apoio social" prestado pelos motoristas da Carris aos idosos de Lisboa que o Diário do Tripulante, tanto o blogue como o livro, pretendem mostrar.

"As pessoas de manhã acordam para ir à junta de freguesia, depois vão ao supermercado e vinham no autocarro, depois iam ao centro de saúde… E acaba por ganhar-se uma certa afinidade. E há as pessoas que por falta de companhia passam ali o dia. Somos a companhia deles, até nos trazem o lanche de vez em quando", diz Rafael Santos.
"Somos ainda o muro de lamentações de muitas pessoas", considera.

Mas mesmo entre os motoristas, Rafael Santos afirma que "a situação não está fácil", sobretudo quando os trabalhadores vivem com "condições [económicas] cada vez piores", mas atribui as culpas à crise que o país vive.

Apesar das dificuldades, Rafael Santos sublinha que gosta muito do que faz, principalmente agora que conduz o seu elétrico preferido, o 28.

"É a montanha russa da cidade. Está sempre a subir e a descer, passa por vários pontos turísticos da cidade. As pessoas dizem que o bilhete (2,85 euros) é muito caro, e eu respondo: Mas andam aqui no museu ao ar livre, corre todos os monumentos da cidade, anda como se tivesse na feira popular, que já acabou, o que é que quer mais?", brinca.

Texto: Susana Paula (Lusa)
Fotos: Miguel Lopes (Lusa)

 

1 comentário:

CR 35 disse...

Nem mais ! perfeito! agora toca a comprar o livro para saberem o resto das aventuras a bordo dos amarelos ....da montanha russa!

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